Um poço de lama. Alguns grãos de desejos. Um oásis de esperança. Um deserto de desespero.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Minha Poesia Não é Literatura


Quando escrevo, não narro fantasias
Inexistem personagens ou malabarismos
O rio que transponho é
um pouco mais largo do que vossas senhorias imaginam
A ficção inexiste em meus sentimentos
Todos são retratos de uma dor profunda
Conto-lhes fio a fio meu pranto eterno que muitos zombam

O subjetivo não é o ilusório
É a
incapacidade de uns poucos desvirtuados
Meu método utilizado é um pouco mais científico
Minha tentativa é empírica
É quantitativa
Meço sílaba por sílaba o que me atanaza o juízo

Nego à semelhança com os acéticos literários
Não escrevo para criar registros
Registro para xingar os déspotas
Não é tudo que me interessa
Só me apego ao que realmente nos desvirtua

Minha poesia não é literatura
É muito mais uma dose de bom senso, rigor e técnica
E não é qualquer vigarista que se mostra
Que me irá fazer calar o que aqui dentro berra

terça-feira, 29 de abril de 2008

O Troco Chegará


Nunca mais escrevi poemas para cantar vitórias
Quando você chegou, me arrastou para um lugar desconhecido
Minhas tristezas me inspiram, como também a você, receio
Quero sair desta agonia
Libertar-me de sua prisão
Quero alguém mais perto
Você se importa de me dar alguns minutos de sua alegria?
Acho que não
Logo a mim, aquele que se dedicou a tal ponto de ser satirizado pelos sentimentos
Não, você não seria capaz, seria?
Peço um pouco mais de seriedade
Mas não estou em condição de pedir
Agora eu exijo
Solidão, saiba, vou me povoar
Cedo ou tarde o troco chegará


sexta-feira, 25 de abril de 2008

É para você mesma: não tenha dúvidas


Baby eu não vim para brincar
Meu jogo de baralho não admite deslizes
Ou você se empenha, ou você desiste
O troféu não será de ninguém
Apenas você está pondo em risco o que poucos têm
Não vou lhe dar mais nenhum conselho
Chega de preliminares
Vamos dar as mãos para as armadilhas do coração
Não sou o coringa de sua seqüência
Tão pouco o carrasco de meu sepultamento
Dê as costas para seu propósito
Seus objetivos são utópicos
Quando mais você tenta
Mais desprezo alimento
O número da sorte transfigurou o medo
Tenha uma boa noite donzela
Droga minha que me desorienta
Não vou mais me afogar
Agora aprendi a nadar
Fui tratado da solidão
Não quero mais te incomodar
Meu embarque não vai retornar

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Passado Presente Passado


Eu não quero mais te conhecer
Suas palavras estão vazias
Onde você foi ancorar?
Deixou a inércia por você
Não vejo mais o que um dia eu vi
Cheguei ao estremo pra te mostrar
Tudo aquilo que eu pensei existir
Você não considerou
Simplesmente apagou o que meu lápis nem riscou
Vou amassar a nossa história
Borrar todos os encontros
Criar um aviãozinho
e fazê-lo decolar
com os vestígios no ar
que sua borracha me deixou
Os singelos olhares trocados
Nunca mais voltarão a acontecer
Não admito rejeição
Arrume seu estojo e não interfira mais em minha redação
Esqueci todos os argumentos
Não quero mais escrever
Na minha folha de papel
Só existirá o que me fizer viver
Rejeito a indiferença
Vou ignorar o seu cinismo
Por causa disso, criei um poema
Para todos os submissos
Talvez eu esteja fazendo isso
somente por você
Mas certamente como um escárnio
Pela vergonha alheia de não querer
estar no seu estado
Não me leve a mal
Somente não quero caminho de volta
Continue com afinco
Não pare pra olhar pra trás
Agora eu passei correndo
Seus olhos irão me deixar
Lá na frente talvez nos encontremos
Mas, agora, deixemos o futuro falar

sábado, 19 de abril de 2008

Fechei o Túmulo


Se eu não posso ter o que quero
Vou esconder o que querem de mim
Não vou mais escutar os que não querem me ouvir
Vou cobiçar o que todos ignoram
Não vou mais te pertencer
Agora vou te enterrar
Fechar o túmulo que um dia você poderia reingressar
A saudade, eu sei, vai se construir
Mas não me peça algum caminho em que você possa vir até mim
Não admito mais visitas
Feche sua mala e admita sua partida

terça-feira, 15 de abril de 2008

Teatro sem Personagens


Preciso viver em uma atmosfera que não exista
Criar meu próprio mundo
Desenhar os personagens de minhas tramas
Bordar as estradas do perigo
Escrever os poemas mais emotivos
Imaginar uma família perfeita
Bolar um roteiro de cinema
Destruir os holofotes da vida
Inventar novos cenários
Quero ser o mais deslocado
Não vou viver como eles querem
Vou te levar para onde me amam
Vamos andar de bicicleta?

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Viver: arte de sofrer


Já escrevi muitas bobagens
Daquelas que dá vergonha de ler
Memórias fugazes, que lembravam...
Ah...
Tanta meninice!
Os namoricos de crianças
Meus erros de português, volumosos
A falta de coerência, constante
E o sofrimento pequeno, grande
Na época em que eu não sabia a beleza da vida
Nem mesmo as amarguras
Que olhava para uma garota
E a desejava como a última coisa em minha vida
Queria voltar a escrever os absurdos gramaticais
Retornar a viver na ilusão da morte natural
No tempo em que meu pai era o herói
Meus tios os companheiros
Minhas tias outras mães
Minha mãe uma santa
Meus avós anjos do céu
Hoje o tempo mudou
Pouca coisa continuou
Meu herói foi derrotado
Meus companheiros fuzilados
Minhas mães singularizaram
E meus anjos voaram

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Para Quem Eu Quero Escrever


Não escrevo para os felizes
Tão pouco para os compromissados
Quero um pouco mais de tristeza
Um pouco mais de mau-trato

Se estiverdes ansiando solução
Desculpe-me, meu amigo, não estou são

Peço um público opressor
Sofrido
Magoado
Tudo isso pra dividir uma dor
Afogar o que não sou
Desrespeitar o amor

Meu caro amigo, por favor, não me julgue a agressão
Sou apenas o reflexo da complacência dos cidadãos
No meu espelho só se reproduz determinados sentimentos
Não é o amor ou fidelidade
É rancor e falsidade

O meu rosto com sorriso
E minhas pernas com vontade
Foram trocadas por aversão do dia-a-dia da cidade

Me disperso por um momento
Pelo tempo que não me resta
Qualquer dia nos batemos com a injustiça que nos espera
Talvez você desista pela estrada
Ou ande quase parando nela
Só lhe dou um aviso:
Corra! Se não a morte nos atropela!

domingo, 6 de abril de 2008

Algo Continuou, Mas Algo Também Mudou



Tudo continua o mesmo
Os carros ainda passam nas ruas
As pessoas ainda correm preocupadas
Meus irmãos ainda vão à escola
Todos ainda sorriem com seus bel-prazeres
O inverno ainda é frio
Os governos ainda são corruptos
O shopping ainda é felicidade
O cinema ainda é distração
A morte ainda é ritual
Mas um ponto é mutante
Não continuo o mesmo
Ando deslocado
Não sorrio com a mesma facilidade
Sinto saudade com mais freqüência
Quero mais proximidade
Valorizo mais a vida
Odeio mais a morte
Grito um silêncio constrangedor
Anoto passagens insignificantes
Choro com o canto dos pássaros
Rememoro a infância com qualquer barraca de jujuba
Enxergo meus avós em qualquer idoso
Necessito de mais carisma
Preciso de mais compreensão
Escrevo como quem dorme

Guarde Sua Compaixão Para Outrem


Não quero sua compaixão
Sofrer é algo natural
Logo você, o conformado incondicional,
para quê falar de amor, se um dia poderá existir o ódio?
Nego todos os ombros caridosos
Juntamente com as juras de companheirismo
Nenhum de vocês, ninguém, poderá suprir o que outrora se arrancou
O peito amigo se esfacelou
As mãos dadas se separaram
No anel, rompeu-se uma brecha
E no olhar, uma lágrima
Vou seguir o ciclo da vida
Ser espectador da matéria passageira
Agüentar a dor que me aflige
Mas nunca vou aceitar essa baboseira
Vou injetar morfina nas veias
Sedar todos os meus sentimentos
Quero degolar o tempo que passa
Dizer um foda-se ao criador
Guarde sua compaixão para outrem
Não preciso de seu olhar
Quero me destruir
Vou me descosturar...

sábado, 5 de abril de 2008

Eu Não Aceito Nada Disso


Eu não aceito dizer adeus
Não me venha dizer que é natural
Tudo isso me parece um circo
Acho que alguém está me gozando
Como é possível a partida eterna?
Isso foi um roubo
Um escárnio ao sentimento
Uma corrupção do nascimento
Deveríamos ser eternos
Minha avó, tão cheia de eternidade
Tudo acabou
Virou pó
Voltou pra terra
Na fotografia, há vida
Há sentimento
Há complacência
Sinto seu olhar
Já rezei em demasia
Vai ver que Deus estava cansado,
Vai ver que Deus estava preparando o cenário para a próxima atração
Quem será, agora, o personagem da vez?
Porque você não me leva?
Aproveite meu tarje de palhaço
Daqueles que não precisam de lágrimas desenhadas,
nem de público espectador
Cansei de bancar o conformado
Eu vou dizer não à morte
E esperar até que a morte diga sim para mim

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Gercina Lyra da Silva (parte 2)


Quando minha bisavó se foi, era um dia de sol
Era uma quinta-feira, três de abril de dois mil e oito
Resplandecia luz
Ouviam-se pássaros
Daqui de dentro algo saiu
Foi rompida uma ligação
O ar se esvaiu
Ficamos sem você
Às 15h00min criou-se o vazio
E tudo preenchido, de repente, se destruiu
Foram 30 dias de sofrimento,
30 dias de purificação
Pela noite uma visitação
Uma tentativa de despedida
Eu tremia, suava com frio
Falei, mas com uma voz que não era minha
Pena, não entendi o que dizia
Tive medo
Foi meu primeiro contato
Quando é que você volta?
Quem mais vai me rezar?
Queria ter você aqui
Como é grande essa dor que me desconsola
É ruim a sensação de nunca mais voltar a ver
Perdoe-me, minha bivó, por todos os erros que cometi
Infelizmente essa foi à hora que vi o quão importante você é para mim
Nunca vou te deixar
Você comigo vai sempre estar
Nas minhas lembranças e pensamentos
Nas minhas fotos e aniversários
Nos meus poemas e nas minhas cartas
Você foi uma passagem,
um exemplo para me guiar
Quero ter fé que um dia vou te reencontrar
Mesmo que seja nos meus sonhos
Ou nas gotas de chuva que batem na janela
Mesmo que seja no formato das nuvens
Ou no barulho da latrina
Só quero que me prometa uma coisa
Uma única coisa pra me confortar
Nunca me deixe por completo,
sempre volte pro seu bisneto...