Um poço de lama. Alguns grãos de desejos. Um oásis de esperança. Um deserto de desespero.

sábado, 29 de março de 2008

Meandros de Um Sentimento


A agonia que hoje me envolve
Não é a mesma daquele dia
Os acontecimentos passaram
Jamais retornarão
Minha disposição por tua espera esta se esgotando
Caindo levemente do coração
Fazendo malabarismos com a mão
no vento forte que a envolve
Pensei que talvez você volte
talvez não para minhas lembranças
talvez não para minhas carências
talvez não para minhas adorações
Quem sabe pra meu porão
Quem sabe pro meus retratos
Mas, digo, não pro coração

Meros Lembretes


Viver é o malabarismo dos eternos aprendizes
A desventura dos aventurados
A dor-de-cabeça dos calculistas
A inspiração dos poetas
Viver é a arte de se expressar
A consciência da conquista
O sentimento do amor e de seu contrapor
Viver é querer
as dificuldades árduas,
as perdas,
as vitórias
Viver é sentir
a tristeza do partir,
a alegria do reencontro
Viver é seguir
quando tudo o mais regredir,
quando o mundo cair
Viver é confiar
no que construímos para nos segurar
no amor que temos para doar
Viver é pensar, desejar, buscar, se esfolar

quarta-feira, 26 de março de 2008

O Contraditório de um Coletivista



Meu compromisso é com a escrita
Não é com os miseráveis
Não é com os rebeldes
Não é com as injustiças
Poupe-me de seus comentários injuriosos
Eu quero a alegria de viver para mim
Com meus problemas
Com minhas necessidades
Com minhas luxurias
Quero esquecer as diferenças sociais
Atirem-me na perdição
Não quero saber quem são vocês
Quero escutar meu próprio coração
Lutar por minhas causas
Não me engajarei numa guerra que não seja minha
Quantos governantes mandam seus filhos a ela?
Quantos passam um dia sem comer pelos soldados do front?
Vou resistir a esses infortúnios
E se eu quiser apenas existir?
O que os padres irão fazer ?
Quantos sabem de mim?
E a Bíblia, e a Suna, e o Corão
irão me redimir?
Chega de baboseiras
Vamos à verdade escondida
Todos nós queremos o melhor para nós mesmos
Cansei de ser coletivista
Saturei dos jornais
Acostumei-me com a violência
Será que agora eu sou uma pessoa melhor?
Estou decidido,
vou apenas continuar
Com essa vida de merda que só nos faz afundar
Meu espírito morre a gotas
De pingo-em-pingo vai me consumindo
Irei decretar feriado
Chega de trabalho
Basta de gasto
Quero meu salário!

terça-feira, 25 de março de 2008

Igualdade Incondicional


Esse formato me irrita a calma
As pessoas me irritam o sonhar
Os homens me irritam ao falar
As mulheres me irritam o prazer
As crianças me irritam a inocência
Os idiotas me irritam a burrice
Os eruditos me irritam a cultura
Os cantores me irritam a voz
Os guitarristas me irritam o som
Os bateristas me irritam o tom
Os livros me aborrecem a idéia
Os códigos me aborrecem as regras
Os sentimentos me aborrecem o amor
O vento me aborrece a pele
As árvores me aborrecem o gozo
O fórum me aborrece a lei
A violência me aborrece a paz
O barulho me aborrece os ouvidos
O som do silêncio me aborrece a atividade
A hipocrisia me aborrece a justiça
A luminosidade me dói os olhos
A escuridão me dói à mente
Os colares me doem o pescoço
Suas palavras me doem a cabeça
Suas opiniões me doem n´alma
Seu estilo me dói à vista
Seu olhar me dói o medo
Sua postura me dói o senso
Seu querer me dói à vergonha
Seu silêncio me dói no peito
Sua angustia me faz feliz
Seu desespero me faz coeso
Seu declínio me faz grandioso
Sua evaporação me faz sólido
Seu escárnio me faz tristeza
Sua destruição me faz construir
Meu auto-engrandecimento te faz um nada
Meus sucessos te fazem derrota
Meus fracassos te fazem feliz
Minha dor te faz alegre
Minha dúvida te faz sábio
Mas minha felicidade me torna limitado
Minha limitação me torna fraco
Minha fraqueza me torna incapaz
Minha incapacidade me torna um inútil
Minha inutilidade me torna você
Você é igual a mim
Todos nós somos um só
A mesma pessoa vã
Com as mesmas lembranças tolas
Não adianta tentar negar
Estamos fadados a fracassar
Se você não acha assim
Muito bem, tornou-se igual a mim

segunda-feira, 17 de março de 2008

Gercina Lyra da Silva (parte 1)


Minha querida bisavó,
É tão triste te ver neste estado
Queria tanto ajudar
Sei que não posso
Queria apenas o conforto de ter aproveitado mais
Quão duro é o tempo
Você sofrendo tanto
Gostaria de te dizer o quanto te amo
Oh Deus, quão importante você é para mim
Sendo que, justamente na hora em que você não pode me escutar, eu teimo em falar
Queria logo o fim
Não por mim,
mas por você
Não sei o que falar
Penso tanto em você
Das vezes em que me rezava
Das queixas de dor
De seus afetos de amor
Dos abraços debilitados
Dos trocados para os confeitos
Das lágrimas de saudades
Não aproveitei quanto devia
Volta para mim
Volta para todos nós
Queria ti ver esperar no portão de entrada
De ouvir você falar meu nome errado
Como dói esse sentimento
Da partida eterna
Da tristeza de enxergar você apenas em minhas lembranças
Não aceito essa situação
Não consigo aceitar
Ninguém explica essa dor
Não há como compreender
Minha querida avó, que seja feito o melhor
Não quero ti ver sofrendo, para manutenção de um luxo meu
Vá, vá para um lugar melhor que esse
Um lugar digno de sua presença
Te amo!
Saiba disso, mesmo que – enquanto tive tempo – não fiz por onde você soubesse o quanto
Aqui estou eu, agora
Não paro de pensar em seu estado, em sua solidão, em seu sofrimento
Não paro de pensar nas asnices que cometi em deixar o tempo passar, apenas passar
Se valer o arrependimento, aqui estou eu
Te amo minha bisavó, minha avó, minha mãe!
Te amo com a força de todo o meu coração
De seu bisneto, Sales!

domingo, 16 de março de 2008

Socio-Computação


Ligue seu coração na amargura do esplendor
Plugue a coesão no seu sistema de valor
Ponha a senha do sucesso na consciência que se findar
Exclua todos os vírus que a malha pode causar
Compartilhe seus sentimentos com o grosso popular
Recorte seus pretensões de esperança familiar
Copie todas as regras que, por ventura, lhe ditar
Arquive os endereços importantes de se usar
Pois, qualquer dia, sua memória poderá vir a falhar
Não esqueça, por fim, de também providenciar
Componentes que sirvam de memória auxiliar
Desligue como o ordena sua vontade de mudar
E espere até o dia em que possamos nos controlar

quinta-feira, 13 de março de 2008

Que Figura Interessante É Essa a do Poeta


Como o último orgasmo púbere,
a satisfação do poeta está em encontrar parceiros de sofrimento
Sua libido é o despertar da inspiração
Seu ponto final, uma interrogação
O mistério lhe agrada
A desilusão, o ilude
Que figura interessante é essa a do poeta
Muitos o admiram,
poucos o querem ser

Qual é o poeta que nunca amou uma mulher?
Mesmo que seja um amor
daqueles de brincadeirinha
da esquina à padaria
Que em suas infinitas dúvidas,
desperta a sorrateira afirmação de tempos de discórdias

Que figura interessante é essa a do poeta
Que dorme de olhos abertos
E vive de olhos fechados
Eu queria ser um desses poetas
A cantar cantigas de amor
A uma mulher pendente em um arranha-céu
Sem a mínima vontade vã de vigiar minha criação

Como é boa a vida de poeta
De um último orgasmo púbere,
retira o som do velho
recria o tom do novo
renova o já deposto
e inventa uma nova moda

Que figura interessante é essa a do poeta

terça-feira, 11 de março de 2008

O Tempo Levou


Onde estão agora minhas palavras
que um dia foram ditas com tanto ardor e carisma
levando-me a loucura sã de arriscar tudo que tenho
pensando na fugaz alegria vã dos sentimentos
lavrados na ingratidão do reconhecimento?
Devolva cada um dos meus pesares
Com todas suas intensidades,
que foram banhadas no mar de lacrimas dor,
que um dia, por amor, fui capaz de desperdiçar
Quero também todas as juras de afeto
Todos os planos para futuro
Não os quero em prestação,
Prometo, não cobro juros
Quero apenas o que senti
O que um dia passou por mim
Para preencher o meu penar
Que vazio agora está

Genealogia do Poeta


Um poeta não escreve por gozo
Não escreve por vontade
Nem mesmo por caridade
Um poeta não traz o sentimentalismo
inerente aos apaixonados
Não traduz as angustias
Nem revela o desconhecido
Não se preocupa com o que não é
Vive num eterno passado
Um poeta não vive de mentiras
Tão pouco de verdades
Um poeta não é revelação
Não é solução
Não é emoção
Não é carência
Nem desprezo
Não é independência
Ou auto-suficiência
O poeta é um dependente
Um viciado em sofrimento
Um delinqüente
È aquele que escreve por necessidade
Que busca um leitor mais desesperado em conhecer tolices lembradas
Um carente de companhia
È o que deixa escorrer os versos
como o pranto findo de um amor querido
É a aurora nascendo para os homens que dormem
É o álcool acabando na abstinência do bêbado
É o ser no que foi querendo ser o que não é
Um poeta, por fim, não é nada, lembrando, porém, que o nada já é